MARCO ANTONIO BORSOI

O lugar do ofício e da paixão

A trajetória profissional de Acácio Gil Borsoi é testemunha da grande paixão de um arquiteto por sua atividade. Nela, pode-se perceber a evolução e a coerência de uma obra, produzida a partir do Recife, de dimensão nacional e internacional.

Borsoi é protagonista de um pensamento arquitetural com estrutura própria, baseado na consistência e desenvolvimento do binômio conceitual composição/construção – base por excelência da arquitetura como o lugar do ofício – inseridos na busca do domínio e da síntese entre informação cultural, conhecimento tecnológico e criatividade.

Radicado em Pernambuco desde 1951, Borsoi é inicialmente um reconhecido professor, com notável contribuição na formação de gerações de arquitetos. Seus projetos dos anos 50 refletem os princípios racionalistas do modernismo brasileiro, principalmente da matriz carioca, marcado pelo desafio de construir a nova paisagem, a leveza da forma pura e livre, a continuidade espacial, o controle da luminosidade e a adequação ao meio tropical. Trata-se de um período fértil de inquietações e forte desejo transformador, como a proposta do Museu de Arte Moderna do Recife, que toma a sua inspiração em um prisma de vidro, espécie de vitrine transparente e simbólica nas margens do rio Capibaribe.

A seguir, os anos 60 e 70 são de reinterpretação própria daqueles princípios fundamentais, mediante a consolidação de valores regionais, social, tecnológica, formal. Borsoi defende uma arquitetura urbana diferenciada, com edifícios concebidos como obras autônomas, volumes soltos, bem ventilados e iluminados, proporcionados, detalhados, como a solução tipológica dos inúmeros prédios residenciais e comerciais construídos no Recife, notadamente na avenida Boa Viagem, e em outras capitais do Nordeste. Nestes edifícios, a imaginação e criatividade são postas a serviço da elaboração de uma imagem contemporânea para a cidade, atendendo à necessidade e ao desejo de um consumidor cada vez mais exigente, com uma vigorosa atuação no mercado imobiliário.

Um segmento significativo no trabalho de Borsoi são os edifícios públicos que se destacam por seu caráter de complexo unitário, a partir de sua organização espacial, material e transformação da paisagem, no qual a resolução dos sistemas construtivos e ambientais são imprescindíveis na gestão dos recursos investidos para a coletividade. Neste segmento desenvolve seus conceitos de “obra acabada”, exercitando uma metodologia projetual aberta à incorporação das contribuições interdisciplinares, com o arquiteto assumindo plenamente o lugar do ofício na coordenação e condução do processo, definindo as idéias, o design e os procedimentos tecnológicos por meio do projeto.

Os edifícios do Fórum de Teresina, a Assembléia Legislativa do Piauí, ou a Sede do Ministério da Fazenda, em Fortaleza, Ceará, com fachada elaborada a partir da montagem de um sistema seriado de pré-moldados em concreto, entre outros, constituem referências técnicas, culturais, cotidianas da militância deste trabalho. Na concepção do Centro Administrativo de Uberlândia, em Minas Gerais, enfatiza a forte intenção com o sítio de implantação, o condicionamento ambiental, a construtividade material e a expressão formal. A reflexão construtiva associa-se aos parâmetros de escala, modenatura, policromia e definição dos detalhes para sintetizar o caráter e o significado de uma obra de arquitetura, nos quais estes edifícios são testemunhos claros.

Nos anos 80 e 90, em sua vivência simultânea na base do Recife e a volta ao Rio de Janeiro, Borsoi enuncia seu conceito do fenômeno arquitetônico como algo distinto de outras formas de construção. O que distingue, em suma, a arquitetura, é a intenção ordenadora, expressa na essência de sua integridade e beleza. Através desta visão síntese da experiência e maturidade, realiza duas obras paradigmáticas na sua cidade natal. A casa do arquiteto, na Penédia Dois Irmãos, surge na encosta como uma árvore expandindo-se à semelhança de uma copa, para alcançar uma insuspeita liberdade plástico/tectônica. O ateliê Burle Marx, além de concretizar um espaço existencial propício, reafirma a antiga lição de que o detalhe ou o ornato só é criação na medida em que constitui aplicação da mente à clareza do resultado.

No limiar de um novo milênio, ainda há esperança. Ainda há espaço para a poesia na arquitetura. Na mais bela metáfora traduz um ritual de passagem, da paixão pelo ofício para o lugar da emoção poética e da permanência.

Texto: Marco Antonio Borsoi