Ao “Limite” da Casa Popular*
Um dos poucos exemplos nacionais de pesquisa realista a respeito de “Casa Popular” é ainda hoje o trabalho realizado em Pernambuco pelo arquiteto Acácio Gil Borsoi, em 1963.
Saindo dos problemas de contingência social que orientavam o Centro de Cultura Popular do Recife, o assunto Habitação-Mínimo foi enfrentado, não do ponto de vista idealístico-formal (tipo proposta de habitação em matéria-plástica, quando ainda não há produção industrializada de matéria-plástica, ou de elementos pré-moldados em concreto quando ainda não há produção suficiente de cimento: soluções queridas em geral pelos teóricos abstratos do problema da casa popular), mas saindo de uma realidade existente, mesmo se, para isto, fosse necessário renunciar, por parte do arquiteto, a resultados formalmente atraentes e “modernos”, para chegar, dentro de uma renúncia profissional decidida a priori, a um quase “limite” arquitetônico: o princípio da auto-ajuda e a “melhoria progressiva”, diretamente ligada a fatores econômicos.
Nada de romântico nestas soluções, nada de se inspirar nos ocas e nas favelas, ou à poesia da simplicidade camponesa (ou melhor, da indigência, como aconselha toda uma tradição literário-reacionária), mas uma procura direta de elementos formados por uma experiência (experiência técnica, mesmo se primitiva): a estrutura de “barro-armado”, a casa de sopapo. Entre a possibilidade remota de um pré-moldado utópico e a realidade de um primitivismo contingente e superável, tecnicamente orientado, foi escolhida a segunda possibilidade. Até a construção de tijolos praticamente realizável, mas sociologicamente inviável no caso da auto-ajuda, foi eliminada. Atrás das pequenas soluções de Cajueiro Seco há todo um século de pesquisa e de tomadas de consciência; toda uma história da habitação do homem orientada pelos fatores econômicos e pela legislação social. Em geral, no ocidente, uma história de “pseudo-soluções”, mesmo se ditadas pelo entusiasmo filantrópico. A obra desenvolvida entre as duas guerras mundiais por Oud na Holanda, Gropius na Alemanha, Loos na Austrália e Le Corbusier na França, constitui ainda hoje, um marco na história de Habitação popular.
Depois da segunda guerra mundial, o tamanho das destruições tornou improrrogável a solução do problema de habitações em massa, mas as realizações perderam em geral o “élan” humano que animou os grandes mestres do racionalismo, caindo no corriqueiro, ou pior, voltando às construções “a bloco”, novo candidato ao “cortiço” (mesmo se acompanhando de justificações crítico-arquitetônicas, como muitas construções italianas da Ina-casa).
O trabalho de Acácio Gil Borsoi refere-se a uma comunidade rural. Mas as populações necessitadas das grandes cidades são formadas, em geral, também por comunidades ex-rurais. É um trabalho que toma consciência no subdesenvolvimento do país, não como fatalidade ou uma condenação, mas como um fator de contingência histórica. É o testemunho de uma mentalidade e de um entusiasmo coletivo, longe da retórica interesseira do malogrado Banco Nacional de Habitação. Publicamo-lo como documento de um tempo de esperanças.
Arquiteta Lina Bo Bardi.
* Texto publicado na Revista in Mirante das Artes, Etc.n°. 2, março e abril, 1967